São histórias sem pé nem cabeça. Nem razão, nem coração. São coisas que acontecem simplesmente por acaso. Sabe quando você encontra uma pessoa e parece que já a viu em algum lugar? E se nunca a viu, assim mesmo, tem a impressão de que vai encontrá-la em uma situação inusitada? Acontece.
São sensações como esta que confundem a cabeça da gente. Quando vi o francês pela primeira vez, eu senti um magnetismo naquele olhar. Era íntimo e envolvente. Ele era dono de bar, falava pouco, andava de um lado para o outro, sempre com a cabeça sempre inclinada mais para um lado, atendia sem olhar para o rosto do cliente e quando o boteco estava praticamente às moscas, ele distraia seu olhar entre os quadros e as cadeiras para não indicar que estava ali, totalmente sozinho.
Noites quentes ou no extremo frio do inverno, momentos compenetrados ou frenéticos era ali que eu colocava meus papos em dia, encontrava ou reunia os amigos, fazia um happy hour. Mas eu nunca conseguia comprar uma bebida sem sentir um frio na barriga ou uma sensação de desconforto. Eram aqueles olhos. Misteriosos e enigmáticos. Eles me deixavam inquieta e travavam todos os meus músculos. Entrar no bar sozinha? Jamais. Até tinha uma vontade de encarar, mas não tinha coragem e puxar um papo então, nunca, não saberia o que dizer.
O francês parecia não ter vida fora dali. Mas ele era engenheiro nas horas vagas. Eu cruzava com ele na boate alternativa perto dali. No meio da semana ou no sábado. Antes de sair de casa eu pressentia que ele estaria lá. Mas sabia que não seria a bendita noite que ele me daria um “oi” e sentaria comigo tomar uma cerveja com mil e uma intenções. Eu pensava que reservado ou tímido como ele me parecia, era eu quem teria que fazer o papel da mocinha descarada que tomou três cervejas e tomou coragem. Mas era por aí. Eu tomava todas e mais algumas que não conseguia lembrar o nome das músicas tinham tocado. Mas mesmo assim, eu lançava um olhar como quem diz: pára de fazer charme e vem aqui me dar um beijo.
Por falar em charme, ele tinha um cabelo comprido, ondulado, sem volume e brilhoso. Ah, como eu queria saber que shampoo ele usava, só para sentir o cheiro daquele cabelo sedoso. Mais charme do que isso, ele tinha uma boca linda. Carnuda com aspecto macio. Também tinha um sorriso espontâneo como o de quem encontra um amigo de fé. O nariz completava a pintura. Parecia o nariz do Pensador de Rodin. Fino e delicado. Ele era magro, mas não do tipo seco, do tipo saudável. Não sei porque, mas eu sempre olhei para ele como se ele fosse vegetariano.
Tinha tanta coisa que eu queria saber sobre ele que uma noite sentada no balcão não seria suficiente. Eu não sabia se ele curtia rock retro ou as baladinhas modernas e cults que tocavam na boate. Só sabia que ele se acabava num samba de raiz. Na “Noite do Galo Preto” ele dançava desajeitado, mas no ritmo e até sorria. Eu, neste exato momento estava me apresentado para um amigo que dividia apartamento com ele. Ah, eu conheci o apartamento dele. Enquanto eu conhecia o apartamento dele, o amigo conhecia a casa do caralho ao som de Marisa Monte. Mas putarias a parte, eu já tinha tomado várias e a minha visão já estava comprometida quando eu vi aquele lugar de pernas pro ar. Tinha umas coisas estranhas em cima da mesa, além de pratos com cinzas e bitucas de cigarro.
Eu não me lembro de ter visto o francês fumando um crivo. Se vi, nem lembro, foram poucas vezes. Ele não parecia do tipo que era ansioso ou inquieto. Parecia sempre sereníssimo e em raros momentos super sério, um típico trintão e ele nem devia ter essa idade. Qualquer que seja o humor ele era atraente e me fazia imaginar momentos beijos e trilhas excitantes. Se o francês fosse um animal na cama eu nunca saberia e se soubesse não iria querer só uma vez, se tudo fosse proporcional.
Nunca pensei em um relacionamento com ele. Até porque, ele tinha namorada. A garota dava na cintura dele, tinha uns quilinhos a mais e não tinha um cabelo bom, nem estilo. Era bem diferente dele, mas quem sabe era inteligente. Não sei, só me coloquei no lugar dela por um momento, mas percebi que neste sentido eu conheceria seus defeitos e suas intimidades. Imaginar ele tirando sujeira do nariz, puxando um catarro, mijando na rua ou vomitando de bêbado foi um pesadelo lúcido que eu nunca mais quis ter, quebraria todo o encanto.
Deixei de fantasiar com o francês por um tempo, ocupei minha cabeça e não tive tempo para perder suspirando com o cara do balcão que não me olhava nem para dar o troco. Enquanto eu estava preocupada em me fazer notar por ele, eu estava contente. Só sei que ele nunca negou um pedido meu: uma cerveja, por favor. Quem sabe a minha intuição, aquela de que a gente tem dejavú, se confirme em outros tempos.
Potira Souto
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